Gil Cunha

A PNA Avalia Conhecimentos Que Não Vêm Nos Livros: 3 Dicas De Estudo

Quando estudei para o Harrison, eu e os meus colegas éramos muitas vezes aliviados das tarefas no hospital. Os tutores diziam “vai para casa estudar, é melhor para ti”. E era. De facto, com o exame antigo, por definição, TUDO o que precisavas de saber estava naquelas
páginas. Era simples o que tinhas de fazer – decorar. No entanto, era também estéril e um grande desperdício de recursos cognitivos…
Por outro lado, na PNA há bastantes perguntas que podes acertar só por passar mais tempo no hospital ou centro de saúde. Ao fazê-lo, há coisas que se tornam óbvias e intuitivas, mais interessantes e desta forma melhoram a tua nota na PNA assim como a tua formação no futuro. Os livros teóricos tentam representar esta realidade, mas por vezes têm detalhes que tornam difícil seleccionar a informação relevante para as situações mais frequentes – princípio dos 20/80. Por vezes ler livros sem ter a prática faz com que certas mensagens relevantes, por vezes implícitas, passem por nós.
Não acreditas? Vou te mostrar alguns exemplos retirados da Prova Piloto e da PNA de 2019.

3 perguntas da Prova Piloto e PNA em que não ias lá com os livros

Exemplo 1

“Um homem de 57 anos de idade regressa ao consultório médico para reavaliação de desconforto lombar persistente e valorização do resultado de uma RM da coluna vertebral realizada recentemente. (…) A RM da coluna realizada uma semana antes mostra doença degenerativa dos discos com abaulamento dos mesmos a nível de L3- L4 e de L4-L5. Após conhecimento deste resultado o doente diz: «Parece mau. Acha que posso vir a paralisar um dia?». Qual das seguintes considerações é a mais correta em relação ao prognóstico neste doente?”

Esta pergunta avalia o conceito de os achados na ressonância magnética da coluna poderem não se correlacionar com os sintomas nem com a gravidade destes. Cerca de 2 terços dos adultos saudáveis têm achados na ressonância que não se traduzem em sintomas nem em gravidade (NEJM 1994;331:69; 2013;368:999;1056). Esta informação é relevante para evitar o encarniçamento terapêutico, i.e. cirurgia desnecessária, que é um hot topic da PNA.
Assim, a resposta certa “Achados similares da RM são frequentemente encontrados em doentes normais da sua idade; o prognóstico é bom.” é bastante evidente para alguém que acompanhe um clínico geral no centro de saúde ou faça algumas urgências em que veja dores lombares, simplesmente porque vai de certeza ver várias situações destas. Por outro lado, uma abordagem mais teórico-livresca desta questão podia facilmente levar a pensar em complicações e a perder pontos.

Exemplo 2

“Um homem de 45 anos de idade é trazido ao serviço de urgência pelo seu irmão que o encontrou confuso e desorientado em casa há cerca de 20 minutos. No carro, no caminho para o hospital, o doente perdeu a consciência (…) À admissão o doente não reage. Os sinais vitais são temperatura 37,0°C, frequência cardíaca 60/min, frequência respiratória 10/min e pressão arterial 80/50 mm Hg. A oximetria de pulso em ar ambiente revela saturação de 87 %. O exame físico inicial não revela rigidez da nuca ou sinais neurológicos focais. Qual é o passo imediato mais apropriado?"

Esta pergunta avalia o conceito de abordagem a um doente crítico. Neste caso, a prioridade é proteger a via aérea, que é o primeiro passo do chamado “ABCDE” que já terás visto fazer algumas vezes na urgência/emergência.
Aqui é exposto um cenário potencialmente catastrófico em que uma atitude “na hora” é essencial para o doente. A informação disponível é limitada e o doente é complexo e com vários sinais de gravidade. Uma abordagem teórica desnecessariamente pormenorizada pode fazer perder tempo a procurar informação que não existe na vinheta. Neste caso da PNA, tal como na vida, um aluno com experiência clínica iria reconhecer um doente crítico e dirigir a sua abordagem por prioridades simples e bem definidas. Um aluno com uma abordagem mais livresca poderia ser tentado a procurar fazer um diagnóstico com informação que não existe.

Exemplo 3

“Um homem de 76 anos de idade vem a consulta no médico assistente devido a história de astenia e dispneia moderada com o exercício, com um mês de evolução. Tem história de hipertensão arterial tratada com enalapril que não cumpre (…) frequência cardíaca 140/min (…) A auscultação cardíaca revela arritmia (…) O electrocardiogram apoia a hipótese diagnóstica. Qual dos seguintes é o próximo passo mais apropriado no tratamento deste homem?”
Esta pergunta incide sobre a decisão de anticoagulação oral em fibrilhação auricular (FA). Esta decisão é frequente e importante porque a FA é prevalente e previne o risco de embolização para o cérebro.
Um aluno com experiência clínica sabe valorizar a importância desta decisão e, quando estuda, reconhece o valor real dos critérios CHA2DS2-VASc. Um aluno sem experiência clínica pode sentir-se perdido no meio de muita informação sobre FA por não atribuir prioridades. Ao procurar saber tudo, vai acabar por ter mais dificuldade e saber menos dos 20% de informação mais relevantes para o exame.

3 formas de melhorares a tua experiência clínica

Uma atitude activa quando estás num ambiente clínico pode maximizar o teu rendimento. De seguida são expostas 3 formas de aplicar este princípio em concreto. No entanto, cabe a cada pessoa com pensamento crítico adaptar cada sugestão ao que faz mais sentido para si.

  • Estudar a patologia de um doente que viste no internamento e colocar dúvidas sobre o doente em concreto ao teu tutor (ex. perguntar o motivo pelo qual uma intervenção foi feita). Caso sintas confiança para isso, sugerir um próximo passo ao teu tutor. Para uma revisão mais rápida, recomendo a biblioteca da Amboss, para dúvidas mais específicas o UpToDate. Nos intervalos ou tempos mortos, discute com um colega uma pergunta que tenhas achado interessante ou que te tenhas enganado. Para perguntas de muita qualidade, recomendo a UWorld.

  • Se estiveres a estudar por material internacional, pergunta ao teu tutor como é que determinado diagnóstico/tratamento se faz em Portugal. Tenta descobrir os motivos que justifiquem eventuais diferenças.

  • Se já estás no período de estudo intensivo e não vais voltar ao hospital antes do exame, então resolver perguntas é a forma mais aproximada de teres essa experiência clínica e de exame que é tão importante. A abordagem de “dar várias voltas à matéria” pode não ser o mais adequado, porque o exame não é tanto de memorização como o Harrison. Claro que o que funciona melhor é diferente para cada um. Mas não tenhas receio de começar já a fazer perguntas!

Objetivo Educacional

  • A experiência clínica permite ao aluno valorizar e estabelecer prioridades no conteúdo que estuda. Além disso, pode ser motivador para alguns alunos ver o impacto real do que está a estudar.
    Desta forma, encarar o trabalho nas rotações clínicas como REAL preparação para a PNA i.e. investir mais tempo no hospital a observar o processo de decisão e menos tempo a olhar para slides ou a decorar livros vaI ter um impacto real na tua nota na PNA.
    Acredita que isto vai especificamente fazer com que: 1) tenhas melhor nota na PNA; 2) ganhes mais competências úteis 3) apanhes menos seca.
  • Valorizar a experiência clínica pode melhorar a tua nota nos estágios, beneficiar a tua formação enquanto médico futuro e dar-te mais pontos na PNA.
  • São sugeridas 3 formas práticas para adoptar uma atitude mais activa no ambiente clínico.
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