O meu nome é David Meireles e fiz a PNA em 2019 e 2020. Quando estudei pela primeira vez, limitei-me a fazer apontamentos, a relê-los e a fazer algumas perguntas, ou seja, fiz um estudo passivo. Este foi o método que adotei na faculdade, mas percebi que não se adequava à preparação para a PNA. Antes de ter decidido repetir a prova, percebi que não o podia fazer utilizando os mesmos métodos. Afinal de contas, não se pode esperar resultados diferentes a fazer o mesmo.
Tive de desconstruir as minhas noções sobre o que seria um estudo adequado, para chegar ao denominador comum das falhas do meu. Decidi investigar sobre os métodos que outros colegas utilizaram, não só em Portugal, como também nos EUA. Esta investigação passou por ler artigos e também, nas horas mais vagas e deprimentes da noite, ver vídeos no YouTube sobre como estudar. Estava na estaca zero, qualquer informação podia ser útil e merecia ser analisada.
Em 2019, senti que trabalhei muito com poucos resultados. Não via uma melhoria nos resultados de exames de simulação mês após mês. Fazia poucas perguntas todos os dias e não sentia segurança nas respostas escolhidas no exame. Acima de tudo, sentia que por cada conhecimento novo que adquiria, estava a esquecer outro mais antigo. Como se o estudo fosse um ciclo interminável de aprender, esquecer e reaprender.
Se isto também acontece contigo, é um sinal de alarme. Sugiro que pares e reavalies a tua estratégia de estudo. Um dos motivos a considerar é o estudo predominantemente por ferramentas passivas (como ler, reler slides e ver vídeos expositivos).
Estratégias de estudo em que interagimos diretamente com a matéria são geralmente mais consumidoras de tempo e energia no curto prazo, contudo muito mais recompensadoras em retenção e aplicação da matéria.
Fazer flashcards é uma estratégia de estudo que muitos usam para dominar conceitos e melhorar o teu resultado na PNA. Contudo, fazer bons flashcards é uma arte, com certos segredos que devem ser aplicados corretamente para aumentar a sua eficácia. Neste artigo, vamos dar-te ferramentas para melhorar a qualidade das tuas flashcards.
Existe muita investigação científica sobre estudar por flashcards. Quando olhas para um flashcard e pensas na resposta estás a usar uma faculdade cognitiva chamada evocação ativa. Por outras palavras, estás a tentar recordar um conceito, em vez de leres passivamente uma passagem. Estudos científicos[1][2] apoiam que a repetição sistematizada de flashcards facilita a retenção, estes são a forma mais fácil de melhorar a evocação da memória. O racional prende-se na criação de sinapses mais fortes através da exposição repetida, que por sua vez tornam-se mais eficazes a despoletar memórias.
Neste artigo, vamos abordar 6 atitudes para melhorar a qualidade dos teus flashcards.
Uma deleção
cloze é uma frase com partes por completar que são substituídas por reticências. Se estás a iniciar o estudo e a começar a fazer flashcards, pode ajudar a minimizar a informação que colocas no flashcard. Se és um utilizador experiente, é o melhor método de transformar qualquer conteúdo de um livro em material que pode ser estudado em métodos baseados na repetição espaçada.
- Por exemplo: No tratamento do EAM com SupraST, fibrinólise só deve ser realizada se o transporte até ao centro com angioplastia primária demorar […]
- Cuja resposta seria: No tratamento do EAMcSST, fibrinólise só deve ser realizada se o transporte até centro com angioplastia primária demorar >2 horas
São fáceis de usar e já foi demonstrado que as deleções cloze tornam a leitura e a aprendizagem de um flashcard mais rápidas, cada vez que o conceito é repetido.
Todo o material que usas para estudar deve estar formulado da maneira mais simples possível.
Quanto mais singelo um conceito for descrito, mais facilmente a memória é processada quando evocada. Imagina que sempre que quiseres relembrar um facto tens de passar por um labirinto. Para completar o labirinto escolherias o caminho mais curto e fácil. O mesmo sucede a nível celular com as tuas sinapses. Se ativares neurónios diferentes a cada repetição de um conceito por ele ser complexo, estás a tornar o teu estudo exaustivo e ineficaz.
Se considerarmos um flashcard com dois conceitos, serão necessárias repetições mais frequentes para memorizar este flashcard mais complexo. Se dividirmos os conceitos em flashcards diferentes, cada um pode ser repetido ao seu próprio ritmo, diminuindo o gasto de tempo. Apesar de aumentar o número de flashcards, o número de repetições de cada conceito diminui o suficiente para compensar (1) teres esquecido o flashcard complexo repetidamente, (2) repetir sucessivamente em intervalos curtos e (3) memorizar só parte do conteúdo.
Neste contexto é importante aderir ao princípio do minimalismo da informação. Cada flashcard deve ter apenas a informação essencial. Por vezes pode ser necessária informação adicional, quer seja para contextualizar ou relacionar com outros conceitos.
Nesse caso, podes adicionar notas de rodapé!
Por exemplo: Na marcha diagnóstica da diverticulite a colonoscopia:
- Não é feita na […] por […]
- Marcada para […] depois para avaliação da […] e excluir […]
- Excepto […]
Cuja resposta seria: Na marcha diagnóstica da diverticulite a colonoscopia:
- Não é feita na fase aguda por alto risco de perfuração
- Marcada para 6 semanas depois para avaliação da extensão e excluir malignidades
- Excepto se já tiver sido feito uma no ano anterior
Estes flashcards são desnecessariamente complexos. Segundo o princípio do minimalismo, ficariam assim:
Flashcard 1: Na marcha diagnóstica da diverticulite a colonoscopia não é feita na fase aguda por […]
- Cuja resposta seria: Na marcha diagnóstica da diverticulite a colonoscopia não é feita na fase aguda por alto risco de perfuração
Flashcard 2: Na marcha diagnóstica da diverticulite a colonoscopia é marcada para >[…] depois do episódio agudo.
- Cuja resposta seria: Na marcha diagnóstica da diverticulite a colonoscopia é marcada para >6 semanas depois do episódio agudo.
É de notar que no exemplo acima as respostas são mais curtas que as perguntas.
Ao usar o formato de deleções cloze é importante ter em atenção o número de deleções. Deve-se usar, no máximo, uma ou duas (caso o mesmo termo não se repita na frase).
Neste caso, como informação adicional a cada um pode colocar-se:
- A colonoscopia na marcha diagnóstica da diverticulite deve ser feita para avaliação da extensão e excluir malignidades. Deve ser feita exceto se já tiver sido feito uma no ano anterior.
Esta informação é apenas visualizável após revelar a resposta.
As frases dos teus flashcards devem estar otimizadas de modo a demorares o mínimo tempo necessário para estimular a memória. Isto irá diminuir os erros, reduzir tempo de resposta e ajudar na concentração. Recomendo que qualquer flashcard não tenha mais do que uma frase, sendo que esta não deve ter mais de duas a três orações.
Por exemplo: Se a citologia peritoneal num doente com neoplasia gástrica for positiva, qual é o estadio atribuído a este doente?
Pode ser reduzido a:
Pergunta: Qual é o estadio atribuído num doente com neoplasia gástrica e citologia peritoneal positiva?
Este último é mais simples e direto e por conseguinte é mais fácil de ler e compreender.
A bibliografia recomendada é rica em listas e estudá-las à queima-roupa deve ser evitado a todo o custo. Memorizar listas consome muito tempo e, muitas vezes, criamos mnemónicas que por sua vez também temos que reter.Para além de selecionares as listas cuidadosamente, deves processar o seu conteúdo de modo a que obedeça ao princípio do minimalismo da informação. Ou seja, deves tentar reduzir qualquer lista ao separar os seus componentes e agrupar ao seu denominador comum.
Por exemplo: Quais são os critérios para intubar um doente com crise asmática?
Resposta:- Uso de músculos acessórios
- Diminuição da saturação periférica de O2
- Diminuição do murmurio vesicular (“pulmão silencioso”)
- Estado mental alterado (Glasgow<8) ou exaustão
- Incapaz de falar com frases completas
- Resposta inadequada à terapêutica inicial
- Normalização do pCO2 ou do pH
Esta lista pode ser reduzida a um set de flashcards curto e rápido:
Pergunta: Quais são os critérios clínicos para intubar um doente com crise asmática?
Resposta:- Uso de músculos acessórios
- Diminuição do murmurio vesicular (“pulmão silencioso”)
- Alteração do estado mental (Glasgow<8)
- Exaustão
- Incapaz de falar com frases completas
- Resposta inadequada à terapêutica inicial
Pergunta: Quais são os critérios analíticos para intubar um doente com crise asmática?
Resposta:- Diminuição da saturação de O2 periférica
- Normalização do pCO2 ou do pH
Este método é duplamente lucrativo. Não só estás a otimizar a repetição destes conceitos, como estás a praticar uma forma de estudo ativo. Ao escreveres pelas tuas próprias palavras, estás a reforçar os padrões sinápticos associados a este facto, tornando-se mais fácil de evocá-lo.
Quando estudamos conceitos semelhantes, é normal confundi-los. Isto acontece quando memorizamos nomes semelhantes ou muitos números, por exemplo nomes e doses de fármacos.
A interferência pode ser a causa mais comum de confusões e esquecimentos num aluno que usa flashcards. É impossível de prever quando acontece e a única coisa que se pode fazer é detectar, eliminar e reformular. No entanto, tal pode ser prevenido ao descrever os conceitos o menos ambiguamente possível, aderindo ao princípio do minimalismo da informação ou usando pistas com o contexto.
Por exemplo: O síndrome maligno neuroléptico e o síndrome serotoninérgico apresentam ambos frequentemente antecedentes de doença psiquiátrica e clínica semelhante com alteração do estado de consciência e instabilidade hemodinâmica. São aprendidos em capítulos diferentes do mesmo tema e são facilmente confundíveis numa vinheta clínica se não forem bem sistematizados. Isto pode ser colmatado com uma tabela com as diferenças entre os dois ou até com ilustrações dos sintomas que os distinguem.
Já notaste que sempre que desenhas um esquema ou imagem representativa de um conceito, este tem tendência a ser memorizado mais facilmente? Não é coincidência. Os seres humanos evoluíram para aprender e memorizar principalmente através do que observam.
A mesma ilustração pode ser usada para gerar dez a vinte flashcards muito rapidamente. Hoje em dia com a disseminação de organogramas em guidelines e no material de apoio, podes facilmente imprimir ou copiar e colar para criar os teus flashcards com oclusão de imagem. Basta apenas cobrires os itens que queres testar.
Por exemplo, o algoritmo de abordagem à isquémia aguda do membro, da Sociedade Europeia de Cardiologia:
Se ainda não experimentaste esta estratégia e gostavas, tens duas maneiras de o fazer.
A primeira é fisicamente em papel: preencher cartões com uma informação de um lado e uma resposta da outra. Outra mais tecnológica é usar uma aplicação como o
Anki (grátis) para criar os teus próprios baralhos (ou decks) de flashcards.
A Anki é um programa grátis que permite a criação de flashcards e a sua apresentação repetida e automática, de acordo com um algoritmo de repetição espaçada. Um algoritmo de repetição espaçada baseia-se no pressuposto que flashcards novos ou considerados mais difíceis devem ser revistos mais vezes, enquanto que flashcards mais velhos e menos difíceis devem ser revistos menos frequentemente. É uma forma de educação baseada na evidência.
O que encontrei foi só a ponta do iceberg. Há vários vídeos e artigos, tal como este, dedicados à otimização e construção de baralhos de flashcards. Descobri comunidades online dedicadas à construção de baralhos, criação de programas para melhorar a qualidade de utilização da Anki, e onde as pessoas partilham as suas experiências. Considero esta descoberta essencial para o meu estudo.Para além destas comunidades, descobri canais do YouTube que se dedicam a explicar o funcionamento da Anki, como o
Anking. Estes ajudaram-me a tornar o meu estudo mais produtivo, e a articulá-lo com outros materiais, como bancos de perguntas.